“Uma tarde…um grande número de borboletas… estendeu-se diante de nós,até onde a vista podia alcançar. Nem sequer com um telescópio podíamos descortinar um espaço livre de borboletas. Os marinheiros gritavam que estava a nevar borboletas.” O acontecimento ocorreu na década de 30 do séc. XIX e foi descrito por Charles Darwin*.
Esta introdução apenas pretende acentuar que o declínio das populações de borboletas no mundo moderno, dito desenvolvido, coloca os naturalistas e defensores da biodiversidade perante situações precisamente inversas às vividas pelos marinheiros do Beagle: Muitas vezes, nem sequer com um telescópio se consegue descortinar um espaço, ainda que pequeno, ocupado por borboletas. É o que acontece com os Hesperídios.
Para a maioria das pessoas este título é desconhecido e talvez,até,enigmático.Mas para descrever e mostrar um conjunto de borboletas com características muito especiais nada melhor que recorrer ao nome vulgar da família a que pertencem,neste caso a família Hesperidae.
Estas borboletas assemelham-se a borboletas nocturnas mas a sua actividade é diurna.Além de pequenas são pouco vistosas com cores castanhas, pretas e cinzentas. Por outro lado têm um voo potente, e com bruscas mudanças de direcção,que lhes permite facilmente despistar qualquer observador que pretenda segui-las. E mais, conseguem passar de um local para outro quase como se dessem um salto, características que levaram os ingleses a chamar-lhes “skippers”. Até parecem pulgas.
As “skippers”preferem zonas secas e de vegetação rasteira e por terem corpos curtos e largos, cabeça mais larga que o tórax e antenas muito afastadas, mesmo a partir da base, são consideradas como borboletas primitivas. Os machos identificam-se com alguma facilidade por apresentarem um sulco preto (black sex-brand) atravessando o lado superior das asas anteriores (Ver a penúltima foto abaixo,da Ochlodes venata).
Em dias de céu limpo podemos vê-las pousadas no solo em lugares soalheiros, quer para se aquecerem quer para absorverem a humidade da terra.Para o efeito apresentam por vezes uma posição muito peculiar e diferente das outras borboletas. Em vez de terem as asas completamente abertas ou completamente fechadas adoptam uma posição intermédia em que as asas posteriores ficam de facto abertas mas as anteriores permanecem parcialmente fechadas por cima daquelas (Ver as três primeiras fotos abaixo).
Entre as borboletas “skippers” há cinco espécies com cores um pouco mais vistosas,douradas, chamadas “golden skippers”. São elas:
– Thymelicus sylvestris
– Thymelicus lineola
– Thymelicus acteon
– Hesperia comma
– Ochlodes venata
Thymelicus sylvestris
Thymelicus lineola
Thymelicus acteon
Estas três espécies distribuem-se por todo o território continental. As duas primeiras são muito parecidas.Há,no entanto,um sinal exterior que as diferencia. Na T. sylvestris a parte inferior da ponta das antenas é de cor vermelha enquanto que na T. lineola é preta.
Hesperia comma
Esta é uma espécie que, praticamente, só se encontra a Norte do rio Mondego embora haja registos da sua presença na região de Sintra.
Ochlodes venata
O T. sylvestris é o mais pequeno dos “skippers” ou seja o “small skipper”. O O. venata está no extremo oposto,é o maior e por isso é conhecido por “large skipper”. A sua distribuição é idêntica à do H .comma mas com registos recentes no Algarve e mais antigos (1941) na região de Sintra.
Além das cinco “golden colour”espécies devemos também citar uma outra que, já não sendo “golden”,pertence à mesma sub-família de hesperídeos e é de todas a mais rara e mais ameaçada. É a Gegenes nostrodamus. Em Portugal tem,até agora, praticamente, o rio Tejo como o limite mais a Norte da sua área de distribuição. Em Espanha, no entanto, há registos da sua presença muito mais a Norte como é o caso da região de Lérida.
Em Junho de 2005 tivemos a sorte de ver e fotografar um destes insectos na margem esquerda do rio Tejo, na freguesia de Tramagal do concelho de Abrantes, e dois meses mais tarde, num Verão bastante quente, fomos surpreendidos por um visitante ocasional libando as flores de lantana do meu quintal, já em plena zona urbana da freguesia. Um acontecimento, sem dúvida, inédito tendo em conta o habitat da espécie.
Gegenes nostrodamus
Para saber mais, consultar:
– As borboletas de Portugal de Ernestino Maravalhas, 2003;
– Atlas de las mariposas diurnas de la Península Ibérica e islas Baleares da Sociedad Entomológica Aragonesa, Zaragoza, 2004;
– Butterflies & Moths in Britain and Europe de David Carter, PAN Books, 1982;
– Butterflies of Britain & Europe, A Photographic Guide de Michael Chinery, Harper Collins Publishers, Londres, 1998.
– *A Viagem do Beagle de Charles Darwin (Pág.145) Relógio D´Água Editores, Lisboa, 2009.